29.7.07

Este instante qualquer

Num dos seus mais célebres paradoxos, Zenão propõe-nos considerar a corrida entre Aquiles e a tartaruga em que esta começa com vantagem em relação àquele. O problema consistirá em determinar quando e se ultrapassa Aquiles a tartaruga. Isto porque quando Aquiles atinge o ponto onde se encontrava inicialmente a tartaruga, esta já terá avançado e, apesar de se aproximar sempre e cada vez mais dela, sempre que alcança o ponto por ela ocupado anteriormente, ela ter-se-á sempre já deslocado desse ponto tornando impossível aquilo que parece inevitável.
O que enguiça aqui o raciocínio é a distância inicial que separa os dois que, apesar de se ir modificando ao longo da corrida, pode ser, como qualquer distância, infinitamente dividida. O desenvolvimento da matemática devolveu a vantagem a Aquiles demonstrando como a soma destes infinitos cortes pode resultar num finito momento e local em que o corredor ultrapassa efectivamente a tartaruga.
Mas este não é um problema meramente matemático. O que enguiça aqui o raciocínio é o facto de considerarmos o movimento, pelo qual Aquiles pode ou não ultrapassar a tartaruga, redutível às posições relativas que os adversários vão ocupando durante um determinado tempo abstracto. Em A Imagem-Movimento, Gilles Deluze estabelece um paralelismo entre este paradoxo e o cinema:
"(...) não se pode reconstituir o movimento com posições no espaço ou instantes no tempo, isto é, com «cortes» imóveis... Esta reconstituição só se faz ao ligar as posições e os instantes com a ideia abstracta de uma sucessão, de um tempo mecânico, homogéneo, universal e decalcado do espaço, o mesmo para todos os movimentos. E, então, de ambas as maneiras, perde-se o movimento. Por um lado, poder-se-á tentar aproximar até ao infinito dois instantes ou duas posições, o movimento far-se-á sempre no intervalo entre os dois, logo, nas nossas costas."
Einstein dizia que o tempo é aquilo que medem os relógios, mas o minuto que o ponteiro maior leva a percorrer a sua circunferência contém diversas durações. E o próprio movimento do ponteiro não é redutível a esse minuto abstracto, nem decalcável desse espaço percorrido. Será precisamente por isso que precisamos de relógios, como precisamos de amarras.

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