Um dos mais interessantes rituais na psiquiatria portuguesa- pelo menos no hospital onde eu faço urgência- é a forma como, depois de internada, a instituição despoja a pessoa de tudo o que a possa fazer lembrar-se de si própria. Quando digo despoja- digo mesmo despoja, não é artificio literário é pilinhas, pipi e maminhas ao léu, roupinhas , relógios e ouros selados num higiénico saco de plástico. É uma metáfora tão nua quanto as metáforas à nudez podem ser nuas. Como todas as metáforas nuas quer dizer todas as coisas- desde ritual de renascimento místico à objectificação do corpo doente, desde a relação de poder instituição/bata-doença/nudez à anulação do eu individual em prol de um colectivo (ou será antes ao contrário)... Demasiado cansado agora pretendo ainda voltar a escrever sobre isto....
Mas vem isto a propósito de como, depois de um dia na urgência, acaba a apetecer-me substituir esta palavra desastre aqui por uma mais simples -vazio. Isto de passar o dia a sentir e a fingir que se sente o que os outros sentem (no sentido de contruir em si o que os outros pensam, ou de pensar em si o que os outros sentem, ou ...), 12 horas seguidas, em pré-fabricado, materialização e fast-food hospitalar é um híbrido entre Pessoa, Kafka e Foucault.
Mas porra, como diz uma amiga minha, gosto demasiado desta merda (e fico em boa companhia).
Há pessoas para tudo...até para passarem o dia a fingir que são Eco de Narcisos...
20.6.07
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