Comecei recentemente a jogar um cubo de rubik a que decidi chamar "psiquiatrização da questão transgénero". De um lado identidades sociais que as ciências sociais nunca conseguiram (e se calhar felizmente) operacionalizar de forma concreta (como transgénero), de outro lado os limites da psiquiatria que nunca foram definidos de forma satisfatória (oscilando entre as versões ambrangentes que chegam à doença social, e as versões minimalistas que se resumem a alguns tipos de psicose), de outro lado questões políticas fundamentais (como possíveis contribuições do sistema nacional de saúde, e novas leis da identidade de género), e finalmente dos outros três lados as muitas vidas de pessoas individuais que desejam ou realizam tantas migrações de género quantas as próprias pessoas.
Como encaixar isto tudo?
Por enquanto vou arrumando os lados (técnica que aliás é proposta aqui).
Podemos começar por tentar separar conceitos de género e sexo e defini-los de forma (ligeiramente) mais clara nos manuais de psiquiatria (mesmo que seja para depois os retirar)- onde tudo se encontra ainda vergonhosamente desarrumado (basta ver o Kaplan). Mantendo, claro, a perpectiva de que estes conceitos não são estáticos nem estão fechados em nenhuma caixa.
Podemos tentar limitar a acção da psiquiatria ao sofrimento individual (com alguns problemas conceptuais dai decorrentes)
Podemos tentar pensar (verdadeiramente) o sistema nacional de saúde tendo em vista, não apenas a eliminação da doença, mas a oferta de processos potenciadores da qualidade de vida (o que entra algo em contradição com a limitação do campo da psiquiatria)
Podemos tentar acreditar na capacidade de escolha, no poder entregue (verdadeiramente) aos utentes e não aos médicos.
Todos estes pontos levantam problemas em que tenho pensado, e aos quais voltarei.
De qualquer forma uma coisa é certa - os direitos das minorias são o cavalo de tróia da liberdade de todos.
8.5.07
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2 comentários:
com este discurso serás o Kaplan do séc XXIII.
É uma questão complexa. Quando era criança, era assim que punha um cubo de Rubik em ordem: tirava os autocolantes coloridos de cada face de cada secção individual do cubo, e colava-os no sítio onde deviam estar :D. Infelizmente, com o cubo da Transsexualidade, as coisas já não são tão simples...
De um lado, as definições para aquém de simplistas dos livros, e a patologização gratuita, que oferece o único caso de "doença mental" que é curável com cirurgia plástica. A isto soma-se o desinteresse de alguns, o autoritarismo doutorado, prepotente, mas, mesmo assim, desinformado e inútil de outros. Do outro lado, a única coisa que devia interessar: a felicidade d@s pacientes (aliás, no Standards of Care da transsexualidade, o "overarching treatment goal" é a melhoria da qualidade de vida d@s pacientes, but who cares...).
Geralmente esse lado ressente-se do primeiro...
A solução provavelmente passa por dar mais poder aos pacientes, dando-lhes a informação necessária para poderem tomar pelo menos algumas das decisões no âmbito da transição. Mostrar-lhes que a transição não deve ser encarada como um fruto proibido, a ser alcançado a todo o custo, mas um caminho que pode (não) ser o melhor, e tentar que seja @ paciente a perceber isso, antes do psiquiatra lho chegar a dizer. Dar apoio psicológico por parte de alguém que não faça juízos de valor, e esteja separado do processo de diagnóstico. Oferecer soluções a quem não quer/precisa de fazer uma transição "completa", como administração de terapia hormonal, mas mantendo o papel de género original. Assegurar que quem lida com estes pacientes sabe alguma coisa sobre a temática, e, mais do que controlar @ paciente, @ quer ajudar a libertar-se. E, sobretudo, oferecer uma transição socialmente útil, o que não acontece no SNS português: oferecem uma vaginoplastia, por exemplo, mas não a remoção do pêlo facial, ou cirurgias de feminização facial. Uma pessoa com uma neovagina, mas com pêlo facial, ou outros traços faciais masculinos, é, para a sociedade, um Homem.
E depois uma lei de identidade de género, sem a qual tudo o resto pode falhar - @ paciente pode fazer uma transição clínica muito boa, mas não conseguir que um tribunal @ considere transsexual (acontece, por exemplo, com quem tem filhos, ou não é heterossexual, coisas que nada têm a haver com a transsexualidade!).
Peço desculpa pelo testamento confuso, mas achei que devia dar a minha opinião :)
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