2.7.07

Caro Colega

Exlentíssimo, deixe-me dizer-lhe que fiquei algo perplexo com o seu último texto publicado aqui. De resto, ninguém duvida da sua profunda e santíssima bondade que lhe dá a autoridade para dizer isto:
"Transmite-se assim a ideia de que, em determinadas circunstâncias dramáticas, ajudar alguém a pôr fim à sua vida é um acto de caridade e de amor, quando é aí que reside a grande hipocrisia da eutanásia. A eutanásia não é uma prova de amor, mas antes o testemunho egocêntrico da sua rejeição."
Mas talvez surjam algumas dúvidas em relação à sua autoridade científica para dizer isto:
"Desde Robbins (1959) verificou-se que mais de 90% das pessoas que se suicidam apresentavam alterações psicopatológicas. Deste modo, estariam privadas do discernimento necessário (em termos mentais) para avaliar em consciência e em liberdade(...)"
Que eu saiba alterações psicopatológicas (bom, sou um mero aprendiz ao pé de sua magestuosidade clínica) nunca foram impeditivas de consentimento informado (de discernimento e capacidade de avaliação em liberdade). Se não, veja - como fazer ensaios clínicos de depressão (por exemplo) em que os doentes têm a priori que dar o seu consentimento.
Fiquei realmente confuso, e decidido a estudar mais e com mais afinco.
Cumprimentos

6 comentários:

lobotomias disse...

depende, claro, das alterações psicopatológicas em causa, e do impacto patoplástico destas...

Ana Matos Pires disse...

Há mais coisas a "dzer", volto cá com mais tempo.

Anónimo disse...

Essa das "alterações psicopatológicas" parece-me um daqueles lugares onde cabe toda e qualquer coisa. Desde que sirva para confirmar as convicções de quem é (moralmente) contra a eutanásia. Senão vejamos, nela cabe tanto uma descompensação psicótica quanto uma depressão reactiva de um tipo neurótico que tenha boas capacidades de adaptação, mas que veja esse equilibrio a alterar-se temporariamente (com decorrentes alterações psicopatológicas) perante o confronto/angústia da sua própria morte e do sofrimento inerente a uma doença terminal (por exemplo). As capacidades de escolha consciente ou de poder escolher em liberdade não são comparáveis sequer.

O que me chateia quando se fala em coisas como a eutanásia não é tanto haver quem defenda uma posição contrária. Essa respeito quando é assumida com honestidade, mesmo que dela discorde. É mais essa tentação de ir buscar argumentos pretensamente científicos para justificar aquilo que é convicção pessoal, pura e dura ( ou se quiserem, convicções morais).

Anónimo disse...

Agora, o texto em questão levanta também uma série de questões que são importantes. É preciso dar condições às pessoas para terem um final de vida digno e humano, na opção de viver até ao fim. É preciso garantir que a escolha de morrer não seja fruto da falta de escolhas para viver com o mínimo de qualidade.

É preciso garantir que essa escolha é consciente e não também decorrente dos filtros com que olhamos o mundo e o futuro quando estamos deprimidos. Penso que aí os psi's têm uma palavra a dizer. E que é fundamental que as pessoas que enfrentam doenças graves tenham também acesso a apoio psicológico, se assim o desejarem. Isso não é o que acontece actualmente.

A título de exemplo, tive amigos com doenças oncológicas que solicitaram esse apoio. E os serviços não tinham como lhes dar resposta.

lobotomias disse...

Em relação à tua última frase, não sei se isso é assim tão verdade, já estagiei em hospitais com serviços de psiquiatria/psicologia de ligação a funcionar decentemente, (mas claro que existem sempre defices)

O que é irritante no Pedro Afonso é que não é a primeira vez que ele faz isto - distorcer argumentos pseudo-cientificos para defender as suas posições pessoais. Como a Sónia se lembrará foi ele que veio a publico insinuar que as mulheres que abortavam podiam "ficar" com doença bipolar, causando divertimento que chegasse para alguns dias de boas gargalhadas entre os colegas.
helas. Há pessoas incorrigiveis...

Anónimo disse...

A minha experiência também é de haver essa ligação, ainda que ( a meu ver) com falhas dignas de reflexão. Mas na mesma altura em que estagiei, vários dos meus colegas estavam em sitios em que essa realidade, na prática, era praticamente ficção. Isto falando em Lisboa.

Um dos casos a que me referia ocorreu há cerca de 5 anos com um amigo internado para quimioterapia no serviço de oncologia do HUC em Coimbra. Quando pediu apoio psicológico foi-lhe dito que não era possível. Acabou por o fazer fora do SNS ( a pagantes, portanto)entre os períodos de internamento. Na mesma altura, comentei a situação com um amigo que trabalha no IPO e no serviço dele a realidade era a mesma.

Fica sempre a sensação de que a saúde mental é o parente pobre. Como se fosse algo menor. Menos necessário. Mas isto já seria outra discussão. ;)