O que parece surgir como incontestável nos casos recentemente vindos a público (do cozinheiro e do cirurgião seropositivos para o VIH) é, além da actividade delirante de infestação a que a nossa sociedade parece estar condenada, o estranho lugar que tem vindo a ocupar entre nós a medicina do trabalho.
Aparentemente os colegas da medicina do trabalho parecem ter esquecido que o doente/utente deve ser a preocupação central do nosso trabalho como médicos, independentemente de quem lhes paga. Parecem acreditar que os interesses e preocupações (racionais ou não) das entidades empregadoras se sobrepõem à pedra basilar de toda a prática médica- a confidencialidade médico-doente.
Não há princípios éticos absolutos porque a realidade humana é demasiado complexa e plural, mas há princípios éticos fundamentais que têm de ser respeitados. Princípios éticos que tem de se fazer respeitar através códigos de conduta que prevejam a ponderação sensata dos vários valores em jogo.
No primeiro caso, respeitante ao cirurgião, é natural que surgissem dúvidas ao clínico responsável, até porque a literatura não parece clara acerca dessa matéria. Assim é possível que o principio da confidencialidade pudesse vir a ter de ser quebrado (ou é aceitável que se argumente desta forma), mas antes de o ser seria necessário passar por algumas etapas que pelo que vem na imprensa não parecem ter sido concretizadas. Nomeadamente, no caso de não existir compromisso expresso por parte do cirurgião de que não interviria em situações clínicas de risco infeccioso, o colega poderia ter avançado com um pedido à ordem para levantamento do sigilo.
No caso do cozinheiro, sem qualquer risco médico de contágio, a quebra da confidencialidade parece verdadeiramente injustificável e grave.
O atropelo ao principio da confidencialidade por parte destes colegas coloca em risco a actividade clínica de todos nós. Prejudica a minha relação terapêutica com os meus doentes. Tem de ser severamente punido.
Mas também o que é que podíamos esperar num país onde o próprio bastonário diz que o código deontológico não é para ser cumprido?
Quanto à decisão judicial, só mesmo na república das bananas é que estas são endeusadas apenas por serem judiciais, mesmo quando incompreensíveis, mesmo quando não obedecem aos princípios da racionalidade e da evidência científica. É saloio e repugnante. Os raciocínios jurídicos não se regem pelas mesmas regras lógicas que os do resto dos mortais ?
Já agora, se querem impedir as pessoas seropositivas para o VIH de cozinhar, se calhar o melhor é impedi-las de fazerem atendimento ao público, impedi-las de cumprimentar as pessoas, colocá-las todas numa ilha ou numa câmara de gás. Entretanto podíamos criar uma estrelinha para elas usarem no peito para não nos enganarmos. É uma questão de saúde pública como sugerem alguns liberais tão liberais que até metem nojo.
2º já agora, quanto tempo é que o tipo andou a cozinhar com tuberculose (se calhar a isso é que deviam ter estado mais atentos, não?)
3 comentários:
clap! clap!
Um país de enfermos! Ao invés a demagogia parece estar de viva saúde! Revoltante!
Bem, pazinho, muito bem.
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